Obesidade
1.
Introdução
Obesidade é uma doença crônica, multifatorial e complexa que se
desenvolve pela interação entre genótipo, ambiente, estilo de vida e fatores
emocionais. O entendimento sobre como a obesidade se desenvolve é incompleto,
mas envolve interação de fatores sociais, comportamentais, culturais,
fisiológicos, metabólicos e genéticos (NIH, 1998).
A obesidade está sendo considerada uma doença crônica e epidêmica,
pois vem apresentando um rápido aumento em sua prevalência nas últimas décadas,
tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, estando relacionada
com uma alta taxa de morbidade e mortalidade. Nos Estados Unidos, é a mais
comum das alterações nutricionais e custa mais de US$ 100 bilhões, por ano, em
despesas relacionadas à saúde. No Brasil, verifica-se um processo de transição
nutricional nas últimas décadas, com o aumento da obesidade, principalmente
entre os mais jovens (Oliveira, 2004; Cecil, 2009).
Esse aumento progressivo e considerável da obesidade parece
alarmante, já que esta é um importante fator de risco para diversas patologias
de grande seriedade, como hipertensão arterial, diabetes melitus tipo 2,
dislipidemia, doença cardiovascular, osteoartrose, dentre outras. Estudos
epidemiológicos vêm mostrando uma associação do crescimento expressivo na
incidência dessas doenças, com a diminuição do tempo de vida livre de doenças,
à medida que ocorre um aumento do IMC da população (Oliveira, 2004).
Sobrepeso e obsesidade são definidos a partir do Índice de Massa
Corporal (IMC). O sobrepeso é definido por um IMC entre 25 e 29,9 kg/m2 e
obesidade por um IMC maior que 30 kg/m2. O risco de problemas relacionados à
saúde começa e a se elevar a partir do IMC de 25 kg/m2, definindo a faixa do
sobrepeso. Essa categoria é considerada “médio risco”, quando comparada ao
chamado peso ideal (IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2), conquanto que descartemoas
situações de explicação óbvia para o sobrepeso, como no caso de homens com
aumento fisiológico de massa muscular. Acima de 30 kg/m2 o risco de
complicações começa a aumentar em progressão geométrica, de modo que é
importante tratar-se essa doença (NIH, 1998).
2.
Patogênese e Etiologia
Como dito anteriormente, a obesidade é complexa e multifatorial,
resultando da interação entre genes, ambiente, estilo de vida e fatores
emocionais. Em 95-99% dos casos de obesidade, a patogênese não é bem conhecida
(obesidade primária) e nos 1-5% restantes uma causa pode ser estabelecida
(obesidade secundária), a qual, se corrigida, pode ser curada.
2.1. Obesidade
primária
De certa forma, a obesidade pode ser considerada de forma simples:
se o consumo de energia exceder seu gasto e se a massa magra permanecer
estável, a gordura corporal deve aumentar. No entanto, a obesidade é um
problema muito mais complexo. Há significativos aspectos da obesidade, como a
suscetibilidade genética e constitucional, que são fortemente influenciados
pelos fatores ambientais (Cecil, 2009).
Com relação aos aspectos genéticos, há fortes evidências acerca de
uma tendência hereditária para a regulação do peso corporal. Defeitos genéticos
isolados que causam obesidade incluem um número de síndromes genéticas
clássicas, como as de Prader-Willi e de Laurence-Moon-Biedl. Mais recentemente
foram descritas formas extremamente raras de obesidade humana monogênica,
devidas a alterações nos genes que codificam a leptina e seu receptor. Contudo,
a maioria dos casos de obesidade humana está relacionada com traços poligênicos
de suscetibilidade e às condições ambientais (Cecil, 2009).
O excesso de energia consumida pelos adultos é geralmente
armazenada na forma de triglicerídeos no interior dos adipócitos. O primeiro
meio pelo qual o tecido adiposo se expande é pelo aumento da quantidade de
gordura armazenada em cada célula (hipertrofia dos adipócitos). Esse processo,
porém, pode armazenar uma quantidade limitada de gordura, uma vez que as
células gordurosas têm um limite de tamanho. Quando gordura suficiente for
armazenada, novas células gordurosas
acabarão sendo recrutadas a partir de pré-adipócitos presentes no componente do
estroma vascular do tecido adiposo. Alguns adultos recrutam novos adipócitos
mais rapidamente que outros e, assim, ganham peso mais pela hiperplasia dos
adipócitos que pela sua hipertrofia (Cecil, 2009).
A descoberta da leptina, uma proteína secretada pelo tecido
adiposo que apresenta potentes efeitos sobre o sistema nervoso central
relacionados com a ingestão de alimentos e que também é responsável por
diversas ações fisiológicas periféricas, trouxe a esperança de que o problema
da regulação do peso corporal fosse resolvido. No entanto, à exceção de raras
mutações, os humanos obesos não apresentam deficiência de leptina. Na verdade,
alguns estudos levantaram a possibilidade de que a obesidade humana, antes de
ser uma condição de deficiência de leptina, é um estado de resistência a essa
proteína. No entanto, não há sinais bioquímicos de resistência central a esse
hormônio, sendo a leptina, na verdade, um marcador da obesidade: quanto mais
obeso o paciente, maior é o nível plasmático de leptina (Cecil, 2009).
Sobre o gasto energético diário individual, temos que 70% deste é
dado pela taxa metabólica basal (TMB), definida com o paciente deitado,
acordado e em jejum (após uma noite de sono). Ele varia muito entre as pessoas,
sendo encontrado numa faixa entre 1.200 e 3.000 kcal/dia. A TMB é proporcional
ao peso magro do indivíduo e é menor em mulheres. Cerca de 10% de nosso gasto
energético ocorre após uma refeição, pela termogênese dos alimentos. Os 20%
restantes dependem de nossas atividades físicas, uma porção inexistente nos
indivíduos sedentários, sendo este um dos fatores que aumenta o risco de
obesidade, inclusive entre crianças (Cecil, 2009).
Dois conceitos básicos sobre o gasto energético são, portanto,
importantes no tratamento da obesidade: quando um obeso perde peso,
automaticamente há uma redução da TMB, numa tentativa de fazê-lo voltar ao seu
peso anterior; a taxa metabólica basal nunca cai abaixo de 1.200 kcal/dia, o
que significa que não há necessidade de uma dieta que ofereça menos que essas
calorias diárias para tratar a obesidade (Cecil, 2009).
2.2. Obesidade
secundária
Menos de 1% dos pacientes obesos apresentam uma doença subjacente
que pode explicar a sua obesidade. As endocrinopatias são as causas mais comuns
de obesidade. Essas incluem a síndrome de cushing, a lesão hipotalâmica da qual
resulta o excesso de ingestão alimentar, o insulinoma e o hipotireoidismo. Um
aumento crescente de medicamentos causa ganho de peso em alguns ou na maioria
dos pacientes para os quais eles são prescritos. O conhecimento sobre os
medicamentos que têm esse potencial pode facilitar o emagrecimento de alguns
pacientes. O abuso sexual, físico e emocional, especialmente entre as mulheres,
pode ainda produzir conseqüências adversas a longo prazo, dentre as quais a
obesidade. A identificação desses fatores antes de iniciar os programas de
perda de peso é importante. Adicionalmente, o encaminhamento para suporte
psiquiátrico pode ser necessário, antes de o tratamento ser iniciado (Cecil,
2009).
3.
Diagnóstico
Na prática clínica, a obtenção precisa do peso e da altura permite
o cálculo do IMC. Em algumas circunstâncias, a medida da cintura do paciente
pode ser útil para avaliar os riscos. Depois de determinar o nível de risco
para a saúde do paciente obeso, uma revisão do seu estilo de vida, incluindo
uma avaliação do nível de atividade física e de seus hábitos alimentares, pode
ajudar a obter informações sobre o por que o paciente é obeso. Um histórico
familiar de obesidade ou obesidade de longa duração fornece evidências de que
não existe causa secundária para essa alteração. Um cuidadoso histórico dos
medicamentos usados e da história social podem ajudar o clínico a identificar
os fatores precipitantes, que podem ser modificados para aumentar o sucesso do tratamento
(Cecil, 2009).
4.
Tratamento
A obesidade está claramente associada com morbidade e mortalidade
aumentadas. Há fortes evidências de que a perda de peso reduz fatores de risco
para diabetes e doença cardiovascular, sendo, portanto, essencial para promover
a saúde e reduzir graves complicações, bem como aumentar a sobrevida do
paciente. É claro que a melhoria estática também é importante, pois aumenta a
autoestima da pessoa e reduz o efeito estigmatizante social da doença.
Em resumo, os objetivos diretos do tratamento da obesidade são:
reduzir o peso do paciente em pelo menos 5-10% do peso anterior; reduzir o peso
numa taxa de 0,5-1,0kg por semana; manter o peso após a perda. Há indícios
científicos de que, se o paciente mantiver o peso por 2-3 anos, a sua tendência
a engordar de novo torna-se cada vez menor, talvez pela reestruturação de seu
controle metabólico.
4.1. Dieta para
o obeso
A base da dieta para os obesos é a redução do total de
quilocalorias ingeridas por dia, visando provocar um balanço negativo calórico
de aproximadamente 500kcal/dia. Para isso, uma dieta contendo
1.200-1.400kcal/dia é suficiente. Dietas com restrição calórica mais acentuada
reduzem mais rapidamente o peso, mas aumentam a chance de ganhar peso em um
futuro próximo, retornando ao valor da pré-dieta.
Para que o paciente tenha boa aderência à dieta, o segredo da
orientação é a reeducação alimentar. O paciente deve aprender sobre a
quantidade calórica dos principais alimentos e discutir com o médico ou
nutricionista qual a dieta que melhor se enquadra nos seus hábitos de vida.
Regras básicas de educação alimentar também são ensinadas, como disciplinar o
horário das refeições, sentar á mesa para comer, evitando distrações, fazer
comprar no supermercado após ter se alimentado, evitar repetir o prato e as
sobremesas, dentre outras.
4.2. Exercício
físico regular
É uma parte fundamental da terapia dos obesos. Quando associado à
dieta hipocalórica, a principal função do exercício físico é evitar o ganho de
peso futuro, ou seja, ajudar o paciente a manter o peso após a dieta.
Cada paciente deve ter um programa de exercícios regulares
prescrito de acordo com as suas limitações. De uma forma geral, o exercício
deve ser anaeróbico e realizado pelo menos 30min por dia 5-7 vezes na semana.
4.3. Terapia medicamentosa
A terapia medicamentosa antiobesidade é um método adjuvante de
tratamento. A base do tratamento é sempre a dieta e o exercício físico. Segundo
a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, os
critérios aceitos para o tratamento farmacológico da obesidade são:
IMC>30kg/m2; IMC>25kg/m2 na presença de comorbidades; falha em perder
peso com o tratamento farmacológico.
No Brasil existem cinco medicamentos registrados para o tratamento
da obesidade: dietilpropriona; femproporex; mazindol; sibutramina e orlistat.
4.4. Cirurgia
bariátrica
A
cirurgia bariátrica é o método mais eficaz de reduzir peso em obesos, embora
traga algumas complicações, como qualquer cirurgia, sendo algumas inerentes ao
próprio procedimento. As cirurgias bariátricas agem de duas formas para
promover a redução de peso: a primeira é a restrição da acomodação gástrica,
por redução do estômago (com isso, o paciente tem saciedade precoce com os
alimentos sólidos); a segunda é a redução da absorção intestinal de nutrientes
(Cecil, 2009).
A
eficácia da cirurgia é medida em termos de percentual de redução do excesso de
peso, que varia entre 50 e 60% após 1-2 anos de acompanhamento. Entre os tipos
de cirurgia que podem ser realizadas encontram-se a banda gástrica ajustável, a
gastroenteroanastomose em Y-de-Roux, dentre outras (Cecil, 2009).
5.
Conclusão
É
importante lembrar que a obesidade representa uma resposta do indivíduo ao
ambiente baseada na genética e no comportamento aprendido no decorrer da vida,
devendo ser encarada como uma doença crônica. Portanto, o tratamento deve ser
considerado como um trabalho em longo prazo. Antes de iniciar um programa de
controle de peso, é importante assegurar se o paciente está interessado e
pronto para fazer mudanças no estilo de vida e se tem objetivos e expectativas
realistas (Cecil, 2009).
O
dramático aumento na prevalência da obesidade nas ultimas décadas sugere
fortemente que estratégias preventivas irão tornar-se mais importantes com o
passar do tempo, tendo a saúde pública importante papel nesse processo. A menos
que esforços amplos sejam feitos visando à resolução do problema da obesidade é
provável que sua prevalência e complicação tornem-se um crescente fardo para a
saúde pública (Cecil, 2009).
6.
Referências
Lee Goldman, Dennis Ausiello. Cecil – Tratado
de Medicina Interna. 23ª ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2009.
Clinical Guidelines on the identification, evaluation,
and treatment of overweight and obesity in adults. National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI), Clinical
Guidelines for Obesity, 1998.
Oliveira,
Cecília Lacroix; Mello, Marco Túlio; Cintra, Isa de Pádua; Fisberg, Mauro. Obesidade e síndrome metabólica na infância
e adolescência. Rev. Nutr., Campinas, 17(2):237-245, abr./jun., 2004.
Dr. Drauzio Varella falando sobre obesidade:
P.S.: Rafaella é estudante de ,medicina da UECE