quinta-feira, 12 de abril de 2012


Obesidade

                                                                                             Por: Rafaela Yasmine  de Souza  Ferreira

1.      Introdução
Obesidade é uma doença crônica, multifatorial e complexa que se desenvolve pela interação entre genótipo, ambiente, estilo de vida e fatores emocionais. O entendimento sobre como a obesidade se desenvolve é incompleto, mas envolve interação de fatores sociais, comportamentais, culturais, fisiológicos, metabólicos e genéticos (NIH, 1998).
A obesidade está sendo considerada uma doença crônica e epidêmica, pois vem apresentando um rápido aumento em sua prevalência nas últimas décadas, tanto em países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, estando relacionada com uma alta taxa de morbidade e mortalidade. Nos Estados Unidos, é a mais comum das alterações nutricionais e custa mais de US$ 100 bilhões, por ano, em despesas relacionadas à saúde. No Brasil, verifica-se um processo de transição nutricional nas últimas décadas, com o aumento da obesidade, principalmente entre os mais jovens (Oliveira, 2004; Cecil, 2009).
Esse aumento progressivo e considerável da obesidade parece alarmante, já que esta é um importante fator de risco para diversas patologias de grande seriedade, como hipertensão arterial, diabetes melitus tipo 2, dislipidemia, doença cardiovascular, osteoartrose, dentre outras. Estudos epidemiológicos vêm mostrando uma associação do crescimento expressivo na incidência dessas doenças, com a diminuição do tempo de vida livre de doenças, à medida que ocorre um aumento do IMC da população (Oliveira, 2004).
Sobrepeso e obsesidade são definidos a partir do Índice de Massa Corporal (IMC). O sobrepeso é definido por um IMC entre 25 e 29,9 kg/m2 e obesidade por um IMC maior que 30 kg/m2. O risco de problemas relacionados à saúde começa e a se elevar a partir do IMC de 25 kg/m2, definindo a faixa do sobrepeso. Essa categoria é considerada “médio risco”, quando comparada ao chamado peso ideal (IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2), conquanto que descartemoas situações de explicação óbvia para o sobrepeso, como no caso de homens com aumento fisiológico de massa muscular. Acima de 30 kg/m2 o risco de complicações começa a aumentar em progressão geométrica, de modo que é importante tratar-se essa doença (NIH, 1998).

2.      Patogênese e Etiologia

Como dito anteriormente, a obesidade é complexa e multifatorial, resultando da interação entre genes, ambiente, estilo de vida e fatores emocionais. Em 95-99% dos casos de obesidade, a patogênese não é bem conhecida (obesidade primária) e nos 1-5% restantes uma causa pode ser estabelecida (obesidade secundária), a qual, se corrigida, pode ser curada.

2.1. Obesidade primária
De certa forma, a obesidade pode ser considerada de forma simples: se o consumo de energia exceder seu gasto e se a massa magra permanecer estável, a gordura corporal deve aumentar. No entanto, a obesidade é um problema muito mais complexo. Há significativos aspectos da obesidade, como a suscetibilidade genética e constitucional, que são fortemente influenciados pelos fatores ambientais (Cecil, 2009).
Com relação aos aspectos genéticos, há fortes evidências acerca de uma tendência hereditária para a regulação do peso corporal. Defeitos genéticos isolados que causam obesidade incluem um número de síndromes genéticas clássicas, como as de Prader-Willi e de Laurence-Moon-Biedl. Mais recentemente foram descritas formas extremamente raras de obesidade humana monogênica, devidas a alterações nos genes que codificam a leptina e seu receptor. Contudo, a maioria dos casos de obesidade humana está relacionada com traços poligênicos de suscetibilidade e às condições ambientais (Cecil, 2009).
O excesso de energia consumida pelos adultos é geralmente armazenada na forma de triglicerídeos no interior dos adipócitos. O primeiro meio pelo qual o tecido adiposo se expande é pelo aumento da quantidade de gordura armazenada em cada célula (hipertrofia dos adipócitos). Esse processo, porém, pode armazenar uma quantidade limitada de gordura, uma vez que as células gordurosas têm um limite de tamanho. Quando gordura suficiente for armazenada,  novas células gordurosas acabarão sendo recrutadas a partir de pré-adipócitos presentes no componente do estroma vascular do tecido adiposo. Alguns adultos recrutam novos adipócitos mais rapidamente que outros e, assim, ganham peso mais pela hiperplasia dos adipócitos que pela sua hipertrofia (Cecil, 2009).
A descoberta da leptina, uma proteína secretada pelo tecido adiposo que apresenta potentes efeitos sobre o sistema nervoso central relacionados com a ingestão de alimentos e que também é responsável por diversas ações fisiológicas periféricas, trouxe a esperança de que o problema da regulação do peso corporal fosse resolvido. No entanto, à exceção de raras mutações, os humanos obesos não apresentam deficiência de leptina. Na verdade, alguns estudos levantaram a possibilidade de que a obesidade humana, antes de ser uma condição de deficiência de leptina, é um estado de resistência a essa proteína. No entanto, não há sinais bioquímicos de resistência central a esse hormônio, sendo a leptina, na verdade, um marcador da obesidade: quanto mais obeso o paciente, maior é o nível plasmático de leptina (Cecil, 2009).
Sobre o gasto energético diário individual, temos que 70% deste é dado pela taxa metabólica basal (TMB), definida com o paciente deitado, acordado e em jejum (após uma noite de sono). Ele varia muito entre as pessoas, sendo encontrado numa faixa entre 1.200 e 3.000 kcal/dia. A TMB é proporcional ao peso magro do indivíduo e é menor em mulheres. Cerca de 10% de nosso gasto energético ocorre após uma refeição, pela termogênese dos alimentos. Os 20% restantes dependem de nossas atividades físicas, uma porção inexistente nos indivíduos sedentários, sendo este um dos fatores que aumenta o risco de obesidade, inclusive entre crianças (Cecil, 2009).
Dois conceitos básicos sobre o gasto energético são, portanto, importantes no tratamento da obesidade: quando um obeso perde peso, automaticamente há uma redução da TMB, numa tentativa de fazê-lo voltar ao seu peso anterior; a taxa metabólica basal nunca cai abaixo de 1.200 kcal/dia, o que significa que não há necessidade de uma dieta que ofereça menos que essas calorias diárias para tratar a obesidade (Cecil, 2009).

2.2. Obesidade secundária
Menos de 1% dos pacientes obesos apresentam uma doença subjacente que pode explicar a sua obesidade. As endocrinopatias são as causas mais comuns de obesidade. Essas incluem a síndrome de cushing, a lesão hipotalâmica da qual resulta o excesso de ingestão alimentar, o insulinoma e o hipotireoidismo. Um aumento crescente de medicamentos causa ganho de peso em alguns ou na maioria dos pacientes para os quais eles são prescritos. O conhecimento sobre os medicamentos que têm esse potencial pode facilitar o emagrecimento de alguns pacientes. O abuso sexual, físico e emocional, especialmente entre as mulheres, pode ainda produzir conseqüências adversas a longo prazo, dentre as quais a obesidade. A identificação desses fatores antes de iniciar os programas de perda de peso é importante. Adicionalmente, o encaminhamento para suporte psiquiátrico pode ser necessário, antes de o tratamento ser iniciado (Cecil, 2009).

3.      Diagnóstico
Na prática clínica, a obtenção precisa do peso e da altura permite o cálculo do IMC. Em algumas circunstâncias, a medida da cintura do paciente pode ser útil para avaliar os riscos. Depois de determinar o nível de risco para a saúde do paciente obeso, uma revisão do seu estilo de vida, incluindo uma avaliação do nível de atividade física e de seus hábitos alimentares, pode ajudar a obter informações sobre o por que o paciente é obeso. Um histórico familiar de obesidade ou obesidade de longa duração fornece evidências de que não existe causa secundária para essa alteração. Um cuidadoso histórico dos medicamentos usados e da história social podem ajudar o clínico a identificar os fatores precipitantes, que podem ser modificados para aumentar o sucesso do tratamento (Cecil, 2009).

4.      Tratamento
A obesidade está claramente associada com morbidade e mortalidade aumentadas. Há fortes evidências de que a perda de peso reduz fatores de risco para diabetes e doença cardiovascular, sendo, portanto, essencial para promover a saúde e reduzir graves complicações, bem como aumentar a sobrevida do paciente. É claro que a melhoria estática também é importante, pois aumenta a autoestima da pessoa e reduz o efeito estigmatizante social da doença.
Em resumo, os objetivos diretos do tratamento da obesidade são: reduzir o peso do paciente em pelo menos 5-10% do peso anterior; reduzir o peso numa taxa de 0,5-1,0kg por semana; manter o peso após a perda. Há indícios científicos de que, se o paciente mantiver o peso por 2-3 anos, a sua tendência a engordar de novo torna-se cada vez menor, talvez pela reestruturação de seu controle metabólico.

4.1. Dieta para o obeso
A base da dieta para os obesos é a redução do total de quilocalorias ingeridas por dia, visando provocar um balanço negativo calórico de aproximadamente 500kcal/dia. Para isso, uma dieta contendo 1.200-1.400kcal/dia é suficiente. Dietas com restrição calórica mais acentuada reduzem mais rapidamente o peso, mas aumentam a chance de ganhar peso em um futuro próximo, retornando ao valor da pré-dieta.
Para que o paciente tenha boa aderência à dieta, o segredo da orientação é a reeducação alimentar. O paciente deve aprender sobre a quantidade calórica dos principais alimentos e discutir com o médico ou nutricionista qual a dieta que melhor se enquadra nos seus hábitos de vida. Regras básicas de educação alimentar também são ensinadas, como disciplinar o horário das refeições, sentar á mesa para comer, evitando distrações, fazer comprar no supermercado após ter se alimentado, evitar repetir o prato e as sobremesas, dentre outras.

4.2. Exercício físico regular
É uma parte fundamental da terapia dos obesos. Quando associado à dieta hipocalórica, a principal função do exercício físico é evitar o ganho de peso futuro, ou seja, ajudar o paciente a manter o peso após a dieta.
Cada paciente deve ter um programa de exercícios regulares prescrito de acordo com as suas limitações. De uma forma geral, o exercício deve ser anaeróbico e realizado pelo menos 30min por dia 5-7 vezes na semana.

4.3. Terapia medicamentosa
A terapia medicamentosa antiobesidade é um método adjuvante de tratamento. A base do tratamento é sempre a dieta e o exercício físico. Segundo a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, os critérios aceitos para o tratamento farmacológico da obesidade são: IMC>30kg/m2; IMC>25kg/m2 na presença de comorbidades; falha em perder peso com o tratamento farmacológico.
No Brasil existem cinco medicamentos registrados para o tratamento da obesidade: dietilpropriona; femproporex; mazindol; sibutramina e orlistat.

4.4. Cirurgia bariátrica
A cirurgia bariátrica é o método mais eficaz de reduzir peso em obesos, embora traga algumas complicações, como qualquer cirurgia, sendo algumas inerentes ao próprio procedimento. As cirurgias bariátricas agem de duas formas para promover a redução de peso: a primeira é a restrição da acomodação gástrica, por redução do estômago (com isso, o paciente tem saciedade precoce com os alimentos sólidos); a segunda é a redução da absorção intestinal de nutrientes (Cecil, 2009).
A eficácia da cirurgia é medida em termos de percentual de redução do excesso de peso, que varia entre 50 e 60% após 1-2 anos de acompanhamento. Entre os tipos de cirurgia que podem ser realizadas encontram-se a banda gástrica ajustável, a gastroenteroanastomose em Y-de-Roux, dentre outras (Cecil, 2009).
5.      Conclusão
É importante lembrar que a obesidade representa uma resposta do indivíduo ao ambiente baseada na genética e no comportamento aprendido no decorrer da vida, devendo ser encarada como uma doença crônica. Portanto, o tratamento deve ser considerado como um trabalho em longo prazo. Antes de iniciar um programa de controle de peso, é importante assegurar se o paciente está interessado e pronto para fazer mudanças no estilo de vida e se tem objetivos e expectativas realistas (Cecil, 2009).
O dramático aumento na prevalência da obesidade nas ultimas décadas sugere fortemente que estratégias preventivas irão tornar-se mais importantes com o passar do tempo, tendo a saúde pública importante papel nesse processo. A menos que esforços amplos sejam feitos visando à resolução do problema da obesidade é provável que sua prevalência e complicação tornem-se um crescente fardo para a saúde pública (Cecil, 2009).
6.      Referências
Lee Goldman, Dennis Ausiello. Cecil – Tratado de Medicina Interna. 23ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.

Clinical Guidelines on the identification, evaluation, and treatment of overweight and obesity in adults. National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI), Clinical Guidelines for Obesity, 1998.  

Oliveira, Cecília Lacroix; Mello, Marco Túlio; Cintra, Isa de Pádua; Fisberg, Mauro. Obesidade e síndrome metabólica na infância e adolescência. Rev. Nutr., Campinas, 17(2):237-245, abr./jun., 2004.


Dr. Drauzio Varella falando sobre obesidade:


P.S.: Rafaella é estudante de ,medicina da UECE